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Quem nunca parou em frente a duas lixeiras – uma de lixo comum e outra de recicláveis – com uma embalagem na mão, paralisado pela dúvida? “Isso recicla ou não?”. A embalagem de salgadinho, o copinho de café, a caixa de pizza engordurada, a esponja de cozinha… a lista de itens confusos é interminável.
A verdade é que a reciclagem não é tão simples quanto parece. O que é aceito em uma cidade pode não ser em outra. O que a tecnologia já permite reciclar em um laboratório pode não ser economicamente viável para a cooperativa do seu bairro.
Essa confusão é a maior inimiga da coleta seletiva. Com medo de “contaminar” o lixo reciclável, muitas pessoas desistem. Ou, pior, praticam o “wishcycling” (reciclagem otimista): jogar tudo que parece reciclável na lixeira seletiva, na esperança de que alguém vá separar. Esse ato, embora bem-intencionado, é um dos maiores problemas das centrais de triagem.
Este artigo é o seu guia definitivo. Vamos acabar com as dúvidas, item por item, e explicar por que algo não pode ser reciclado. Entender o motivo é a chave para nunca mais esquecer.
A Regra de Ouro: Por que a Reciclagem Muda de Cidade para Cidade?
Antes de começarmos as listas, entenda o ponto mais importante: A regra final sobre o que é ou não reciclado é definida pela sua prefeitura e pela(s) cooperativa(s) que ela atende.
Por quê? A reciclagem depende de três fatores:
- Tecnologia: Existe máquina para processar aquele material?
 - Logística: Compensa transportar esse material?
 - Mercado: Existe alguém para comprar esse material depois de separado?
 
O isopor é o exemplo clássico. Tecnicamente, ele é 100% reciclável (é um plástico tipo 6, PS). No entanto, ele é 98% ar. Isso significa que é preciso um caminhão inteiro de isopor para se obter uma pequena quantidade de matéria-prima. O custo do transporte, na maioria das vezes, não compensa o valor da venda. Por isso, a maioria das cidades no Brasil não recicla isopor, embora algumas capitais com tecnologia específica (como Porto Alegre) o façam.
Dica de Ouro: Sempre verifique o site da prefeitura da sua cidade ou da empresa de limpeza urbana local. Eles são a fonte oficial. Este guia é baseado no que é comumente aceito na grande maioria do Brasil.
Reciclagem de Papel (Lixeira Azul): O Perigo da Gordura e Umidade
O papel vem das árvores (celulose) e é um dos materiais mais reciclados. No entanto, é também o mais sensível à contaminação.
O que PODE ser reciclado (PAPEL):
- Jornais e Revistas: Incluindo os folhetos de supermercado.
 - Papel de Escritório: Folhas de sulfite, rascunhos, envelopes (mesmo com a janelinha de plástico, a triagem consegue separar).
 - Cadernos: Podem ir com o arame/espiral. Ele é separado no processo mecânico.
 - Caixas de Papelão (Secas): Caixas de sapato, de encomendas online, caixas de cereal (o saquinho plástico de dentro vai para o plástico).
 - Caixas “Longa Vida” (Tetra Pak): Caixinhas de leite, suco e molho de tomate. Elas são um composto de papel (75%), plástico (20%) e alumínio (5%). Elas podem ser recicladas, mas exigem um processo específico. É fundamental limpá-las por dentro para evitar mau cheiro e vetores.
 
O que NÃO PODE ser reciclado (PAPEL):
- O Inimigo nº 1: Papel Engordurado: A caixa da pizza com gordura no fundo, o guardanapo usado com resto de comida, o prato de papelão sujo. A gordura e os restos de comida se infiltram nas fibras da celulose, contaminando todo o lote de papel. Esse material não pode ser usado. Solução: Rasgue a parte limpa da caixa de pizza (a tampa) e recicle. A parte suja vai para o lixo comum (rejeito) ou compostagem (se não tiver muita gordura).
 - Papel Higiênico e Guardanapos Usados: São considerados “rejeito sanitário”. Suas fibras já estão muito curtas e estão contaminados.
 - Papel Toalha Usado: Pelo mesmo motivo do anterior.
 - Recibos de Máquina (Papel Térmico): Sabe aquele cupom fiscal que apaga com o tempo? Ele é feito de papel “termossensível”, que contém Bisfenol A (BPA) ou S (BPS). Esses químicos contaminam o processo e são tóxicos.
 - Fotografias: Contêm produtos químicos (metais pesados) do processo de revelação e não são apenas celulose.
 - Adesivos: A cola dos adesivos e da fita crepe/durex é um contaminante terrível no processo de reciclagem do papel.
 - Papel Carbono ou Celofane: Contêm outros componentes químicos.
 - Papel Plastificado: Como os de embalagens de fast-food (copos de refrigerante, saquinhos de hambúrguer). A fina camada de plástico que os torna impermeáveis dificulta a separação.
 
Plásticos (Lixeira Vermelha): Entenda os Símbolos Triangulares (1 a 7)

Este é o grupo mais complexo. O plástico não é “uma coisa só”. Existem dezenas de tipos. Para nos ajudar, existem os símbolos triangulares com um número dentro, geralmente no fundo da embalagem.
O que GERALMENTE PODE ser reciclado (PLÁSTICO):
- Nº 1 – PET (Polietileno Tereftalato): O mais comum e valioso.
- Exemplos: Garrafas de refrigerante, água, óleo de cozinha, potes de maionese, embalagens de ketchup.
 
 - Nº 2 – PEAD (Polietileno de Alta Densidade): Rígido e resistente.
- Exemplos: Embalagens de produtos de limpeza (amaciante, alvejante), shampoo, potes de iogurte e leite, tampinhas de garrafa.
 
 - Nº 5 – PP (Polipropileno): Resiste a altas temperaturas.
- Exemplos: Potes de margarina e requeijão, embalagens de ketchup (de ponta-cabeça), alguns potes de iogurte, utilidades domésticas (bacias, cadeiras).
 
 
Importante: Precisa Limpar?
Sim. Você não precisa lavar com sabão e bucha, mas é fundamental tirar o excesso. Um pote de iogurte ou requeijão cheio de resto contamina o material, atrai ratos e baratas para a cooperativa e torna o trabalho dos catadores insalubre. Passe uma água (de reuso, de preferência) ou limpe com um guardanapo usado.
O que GERALMENTE NÃO PODE ser reciclado (PLÁSTICO):
- Nº 6 – PS (Poliestireno): O famoso Isopor (que é uma marca).
- Exemplos: Bandejinhas de frios, marmitas, copinhos de café, “amendoins” de proteção de caixas.
 - O Problema: Como dito antes, é logisticamente inviável para a maioria das cidades. Verifique a sua!
 
 - Embalagens Metalizadas:
- Exemplos: Embalagens de salgadinho, biscoitos, café e cápsulas de café.
 - O Problema: São feitos de um filme plástico misturado com uma fina camada de alumínio. A tecnologia para separar esses dois materiais é cara e rara no Brasil.
 
 - Embalagens “Laminadas” ou “Mistas”:
- Exemplos: Embalagens de pasta de dente (plástico + alumínio), alguns sacos de ração.
 
 - Nº 3 – PVC (Policloreto de Vinila):
- Exemplos: Canos, forros, algumas embalagens de remédio (blister).
 - O Problema: Contém cloro e aditivos tóxicos que dificultam a reciclagem.
 
 - Nº 7 – OUTROS: Esta é a categoria “geral”.
- Exemplos: Acrílico, CDs/DVDs, alguns plásticos de engenharia, óculos, tomadas. A maioria não tem reciclagem viável em larga escala.
 
 - Itens Contaminados: Cabos de escova de dente (são mistos e sujos), cotonetes, fraldas descartáveis (são rejeito sanitário absoluto).
 - Adesivos e Fita Crepe/Durex: A cola é um contaminante.
 
Vidro (Lixeira Verde): O Campeão 100% Reciclável (com Exceções Perigosas)

O vidro é perfeito: é feito de areia (sílica), é 100% reciclável e pode ser reciclado infinitamente sem perder a qualidade. Mas atenção: nem todo vidro é igual.
O que PODE ser reciclado (VIDRO):
- Garrafas: De cerveja, vinho, refrigerante, suco, azeite.
 - Potes: De conserva (palmito, azeitona), de geleia, de papinha de bebê.
 - Frascos: De perfume, de cosméticos, de remédios (desde que limpos).
 
O que NÃO PODE ser reciclado (VIDRO):
Aqui está o perigo. Misturar esses itens com o vidro comum pode destruir um forno inteiro na usina de reciclagem.
- O Problema (Ponto de Fusão): Vidros comuns derretem a uma temperatura (ex: 1500°C). Os vidros abaixo têm pontos de fusão diferentes. Se um pedaço de Pyrex (que derrete a uma temperatura muito mais alta) entrar no forno, ele não derrete e vira um defeito na nova garrafa, quebrando a linha de produção.
 - Vidros Temperados ou Refratários:
- Exemplos: Travessas “Pyrex”, pratos de micro-ondas, box de banheiro, vidros de janela, para-brisa de carro.
 
 - Espelhos: Contêm uma camada química de prata ou alumínio atrás.
 - Lâmpadas (TODAS): São um caso sério. Lâmpadas fluorescentes contêm mercúrio (altamente tóxico). Lâmpadas de LED têm componentes eletrônicos. Nenhuma delas pode ir no lixo comum ou reciclável. Devem ir para a Logística Reversa (pontos de coleta em supermercados e lojas de material de construção).
 - Louças (Cerâmica/Porcelana): Pratos, xícaras, canecas. Não são vidro. São feitos de argila. Se quebrados, devem ir no lixo comum.
 - Óculos (Lentes): São vidros especiais ou acrílico.
 - Telas (Celular, TV, Monitor): Contêm metais pesados e são lixo eletrônico.
 
Segurança em Primeiro Lugar: Se quebrar um copo ou garrafa, nunca jogue os cacos soltos no lixo. Embale-os com cuidado em jornal grosso ou dentro de uma caixa de papelão. Lacre e escreva bem grande: “CUIDADO, VIDRO QUEBRADO”. Isso protege a sua mão, a do gari e a do trabalhador da cooperativa.
Metal (Lixeira Amarela): Do Alumínio Valioso aos “Falsos Amigos”

Metais são valiosos. O alumínio, em particular, tem a reciclagem mais bem-sucedida do Brasil (quase 100% das latinhas) porque o processo economiza 95% da energia em comparação com fazer alumínio do zero.
O que PODE ser reciclado (METAL):
- Latinhas de Alumínio: De cerveja, refrigerante, suco. São as “estrelas”.
 - Latas de Aço (Folha de Flandres): Latas de milho, ervilha, molho de tomate, atum, sardinha. (Dica: é bom limpá-las).
 - Tampinhas de Garrafa: De metal.
 - Tampas de Potes de Vidro: Como as de geleia e conserva.
 - Pregos e Parafusos (Limpos): Se em quantidade, podem ser reciclados.
 - Panelas Velhas (Sem Cabo): Se a sua coleta aceitar, podem ser destinadas.
 
O que NÃO PODE ser reciclado (METAL):
- Esponja de Aço (Bombril, Assolan):
- O Problema: Ela enferruja muito rápido, se desfaz e está sempre contaminada com gordura e restos de comida. É rejeito.
 
 - Clipes e Grampos:
- O Problema: São muito pequenos. Eles se perdem no maquinário da esteira de triagem e não são separados.
 
 - Pilhas e Baterias: NUNCA! São lixo perigoso. Contêm metais pesados (chumbo, mercúrio, cádmio) que contaminam o solo e a água. Devem ser levados para pontos de coleta (logística reversa).
 - Embalagens de Remédio (Blister): Como dito nos plásticos, é uma mistura de alumínio e plástico de difícil separação.
 - Embalagens de Marmita (Quentinhas): Se estiverem muito sujas de gordura, não são aceitas. Se estiverem relativamente limpas, amasse-as e recicle.
 
Resíduos Especiais: O Guia da Logística Reversa (O Lixo Perigoso)
Este é o lixo que NÃO VAI NEM NO LIXO COMUM, NEM NO RECICLÁVEL. A lei (Política Nacional de Resíduos Sólidos) diz que o fabricante é obrigado a recebê-los de volta.
- Pilhas e Baterias: Levar a pontos de coleta em supermercados, bancos ou lojas de eletrônicos (geralmente identificados como “Papa-Pilhas”).
 - Lixo Eletrônico (E-Lixo): Celulares, computadores, cabos, carregadores, mouses, monitores. Contêm ouro, prata (valiosos) e chumbo, mercúrio (perigosos). Devem ir para cooperativas especializadas em E-lixo ou pontos de coleta de grandes varejistas.
 - Remédios Vencidos: Jamais jogue no vaso sanitário (contamina a água) ou no lixo. Leve a farmácias que possuam pontos de coleta específicos (programa de logística reversa de medicamentos).
 - Óleo de Cozinha Usado: Um litro de óleo contamina mil litros de água. Armazene o óleo frio em uma garrafa PET. Leve a pontos de coleta (ONGs, supermercados, ecopontos). Ele é usado para fazer sabão e biodiesel.
 - Lâmpadas: Como dito, leve a lojas de material de construção ou supermercados que as vendem.
 
Rejeitos (Lixeira Cinza/Preta): O que Realmente é “Lixo”?

“Rejeito” é o nome técnico para o lixo que realmente não tem nenhuma possibilidade de reciclagem ou compostagem. É o que vai, obrigatoriamente, para o aterro sanitário.
- Papel higiênico, fraldas descartáveis, absorventes.
 - Restos de varrição de casa.
 - Pó de aspirador.
 - Cotonetes, curativos (Band-Aid).
 - Esponja de cozinha usada.
 - Esponja de aço.
 - Etiquetas adesivas, fita crepe, durex.
 - Copos e pratos de cerâmica ou porcelana quebrados.
 
Lixo Orgânico (Lixeira Marrom): O Tesouro que Vira Adubo
Este é o último grupo, e compõe mais de 50% do lixo que geramos em casa. Não é reciclável (no sentido de voltar a ser indústria), mas é 100% compostável.
- O que é: Cascas de frutas, restos de legumes, borra de café, casca de ovo, saquinhos de chá.
 - Para onde vai: Se sua cidade tem coleta de orgânicos, ele vai para um pátio de compostagem. Se não, é o material perfeito para uma composteira doméstica (com ou sem minhocas), gerando adubo de alta qualidade para suas plantas.
 - O que NÃO VAI na composteira (geralmente): Carnes, laticínios, óleos/gorduras e fezes de animais (podem atrair vetores e conter patógenos).
 
Na Dúvida, Foque no “Trio de Ouro”
Pode parecer muita informação, mas a reciclagem fica fácil com a prática. Se você está começando agora e se sente sobrecarregado, foque no básico. A “Regra dos 3 Limpos”:
- Garrafas PET e Embalagens Plásticas (Limpas)
 - Latinhas de Alumínio
 - Papel e Papelão (Secos)
 
Só de tirar esses três itens do lixo comum, você já estará fazendo uma diferença gigantesca.
E a regra final e mais importante de todas: na dúvida, jogue no lixo comum (rejeito). É melhor jogar um item reciclável no lixo comum do que jogar um item contaminado (como a caixa de pizza engordurada) no lixo reciclável. Um item errado pode contaminar e condenar um fardo inteiro de material que seria reciclado, destruindo horas de trabalho dos catadores e desperdiçando recursos.
Reciclar não é apenas um ato ambiental; é um ato social. Comece simples, verifique as regras da sua cidade e faça sua parte.